segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Refúgio do Rock: o movimento que revolucionou o underground cristão brasileiro

No início de 1993, em um galpão simples na Avenida Nazareth, em São Paulo, nascia um dos projetos mais ousados, marcantes e influentes da história do rock cristão nacional: o Refúgio do Rock, idealizado pelo pastor Sandro Baggio. O que começou como um espaço alternativo para dialogar com jovens da cena rock rapidamente se tornou um movimento que reuniu bandas, ministérios, zines, festivais e uma comunidade inteira de roqueiros, punks, góticos e metaleiros que buscavam fé sem perder a identidade.

As raízes: de Amsterdã para São Paulo

O Refúgio foi inspirado no que Sandro viveu durante dois anos viajando pelo mundo no navio missionário Doulos, ligado à Operação Mobilização. Em Amsterdã, ele conheceu o Steiger 14, um espaço que acolhia roqueiros e artistas alternativos — e que mais tarde se tornaria a conhecida Steiger International. Projetos como o No Longer Music mostraram a ele que era possível alcançar esse público de forma criativa, autêntica e radical.

De volta ao Brasil, Sandro se uniu a iniciativas já existentes, como o CMF — Christian Metal Force, liderado por Claudio Tiberius, e a zine White Metal Detonation, coordenada por ele, Claudio e outros nomes da cena. Era o começo de uma parceria que movimentaria o underground cristão no país.

O galpão da Avenida Nazareth e o nascimento de uma tribo

No dia 14 de maio de 1993, o Refúgio do Rock abriu suas portas oficialmente. O ambiente era cru, simples — e perfeito. Pouco tempo depois, as calçadas ao redor se tornariam ponto de encontro de Headbangers, punks, straight edges, góticos, skinheads e grunges. Para quem via de fora, parecia uma “nuvem negra” tomando conta do bairro; para quem estava dentro, era a primeira vez que um espaço cristão abraçava completamente essa diversidade.

Bandas como Devilcrusher, Justa Advertência, Martíria, Metábole, Ruptura, Calvário, Kletos, além das precursoras Antidemon, Afterdeath (ES), Necromanicide(r) (RJ) e até o grupo católico Rosa de Saron, marcaram presença ali. As noites geralmente tinham dois ou mais shows, sempre intensos e cheios de histórias — algumas hilárias, outras quase inacreditáveis.

Os primeiros festivais de metal cristão no Brasil

O Refúgio organizou alguns dos primeiros festivais de metal cristão do país. Um deles foi o Refúgio Metal Fest, reunindo Calvário, Metábole, Martíria, Rosa de Saron, Devilcrusher e Justa Advertência. O evento chegou a ser divulgado no Hollywood Rock, onde muita gente ouviu falar de “white metal” pela primeira vez.

Além disso, o espaço sediou o I White Metal Fest, o I Fórum White Metal e tributos a bandas lendárias como Vengeance Rising e Seventh Angel. O Refúgio também recebeu a Tourniquet, um dos maiores nomes do metal cristão mundial — uma apresentação histórica para a cena brasileira.

Reconhecimento, desafios e transformação

O impacto do projeto foi tão grande que chegou a ser pauta para uma reportagem da revista Veja, intitulada “O espaço cristão mais radical de todos”, embora a matéria nunca tenha sido publicada. O Refúgio se tornou um marco nacional, citado e respeitado por ministérios e bandas de todo o Brasil.

Mas em 1995, a Lei do Silêncio inviabilizou a continuidade dos shows, já que o galpão não possuía isolamento acústico adequado. Com o fim das atividades musicais, o movimento passou por uma metamorfose: tornou-se Comunidade Ágape, depois Projeto Ágape e, atualmente, Projeto 242 (Atos 2:42) — ampliando sua visão para acolher toda forma de pessoa marginalizada pela cultura religiosa tradicional.

Um legado que ecoa até hoje

Antes de encerrar sua fase inicial, o Refúgio deixou registrado um marco: a coletânea "Refúgio do Rock", reunindo dez bandas que passaram pelo local. Um documento vivo da força desse movimento.

Mais do que um galpão ou um conjunto de shows, o Refúgio do Rock foi — e ainda é — uma comunidade, uma tribo, um capítulo fundamental das missões urbanas no Brasil. Ali nasceram amizades profundas, ministérios duradouros e uma nova forma de entender fé e cultura alternativa.

Para quem viveu aquela época, o Refúgio não foi apenas um projeto. Foi casa, palco, missão e encontro. E seu legado continua inspirando novas gerações a viver o evangelho de maneira honesta, criativa e livre.


FONTE:

Opinião e Espiritualidade

Christian Rock Blessing

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